Olhares vagos dizem mais que qualquer palavra de desprezo

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

desembargador foda

- Será que a gente tá no lugar certo?
- Não sei, vou perguntar àquele cara. Vou?
- Vai.
- Ele disse que é aqui mesmo. Acho que ele é desembargador.
- E tu fez "psiu" pro desembargador?
- Fiz. Tô me sentindo o máximo!
- Vem cá... Se são todos desembargadores, quem é que vai sentar naquela cadeira mais alta?
- Sei lá. O desembargador foda.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

João

Me olho no espelho e me sinto forjado;
Pior: me sinto vendido,
Vendido a baixo preço.
A mediocridade dos passos
Revela a minha fraqueza de alma.

Molestado.
Molestado pela teimosia de sobreviver
Com o gosto do feijão gelado no paladar,
Engolindo sem sede o café que me amarga,
Matando em brasa o cigarro que me mata por dentro.

Rumo pra casa;
No mesmo trem lotado de todo dia.
Com as mesmas pessoas de todo dia,
Que me olham como se me conhecessem,
Mas não me cumprimentam porque não me conhecem.

Desci antes do meu destino.
Eu não queria nada demais, apenas um mergulho no mar
Eu queria a liberdade, mesmo que tardia
Me despi e corri em direção a ele,
Quem dera meu coração tivesse resistido.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Lestat

“O vermelho neste copo parecerá mais vermelho, as rosas do papel de parede parecerão incrivelmente delicadas. E será assim que perceberá a lua ou o brilho de uma vela. E com a maior sensibilidade você verá a morte em toda sua beleza, a essência da vida só conhecida no momento da morte. Compreende isto, Louis? Somente você, dentre todas as criaturas, é capaz de ver a morte deste modo impunemente. Você... somente... sob a luz da lua... pode fulminar como a mão de Deus!”

Vampiro Lestat, descrevendo para Vampiro Louis, os prazeres de matar.
Entrevista com o Vampiro - Anne Rice.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

O pio dos pássaros

Ainda é escuro, mas já cantam os pássaros. Aqueles pios incomodam. Me pergunto se os pássaros não tem mais o que fazer. Evidentemente, o problema é comigo, pois nunca ouvi ninguém reclamar dos pios dos pássaros às 4:30 da manhã.
Senti o cansaço do ócio, por mais que pareça estranho e senti o peso da inutilidade. Lixo, me xinguei.
-
Sempre planejei demais, meticulei demais e me preparei demais pra coisas que nunca vieram a acontecer. Imaginei loucuras, naveguei pelas vontades que foram se acumulando aqui, conformadas com o fato de nunca encontrarem a liberdade. Foram sedimentando, sedimentando, até virarem rocha.
-
Enquanto o dia ia nascendo, eu chorava como um bebê. Derramava lágrimas gratuitamente, à espera de um conforto, à espera daquela voz que afasta o medo e diz que está tudo bem. Tudo o que pude ouvir foram os meus soluços e o pio dos pássaros às 5:00 da manhã.
-
A rocha não era tão rocha assim. Pude senti-la se fragmentando rapidamente e me devolvendo o vazio habitual. Nesse momento, eu senti que tinha voltado de longas férias e que estava no comando novamente. Imaginei se isso não seria perceptível ao mundo ao meu redor.
-
Enquanto me afogava nas lágrimas, eu bocejei. Sinal de que a qualquer momento, sem que eu percebesse, aquele choro ia dar lugar a um sono que me traria algumas horas de anestesia, até retornar ao mundo real. E depois?
-
Acordei ao meio dia. Atendi o telefone. Ninguém percebeu.
-
Acordei ao meio dia. Atendi o telefone. Caiu a ficha; eu estava de volta. Mas nada estava diferente de quando eu fechei os olhos. Salvo a única: não havia o pio dos pássaros.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Se eu pudesse ser alguém além de mim e Jim Morrison, seria Fernando Pessoa. Por isso, eu resolvi tentar fazer uma releitura do I poema do livro de Alberto Caeiro: O Guardador de Rebanhos.


Eu nunca guardei rebanhos
Mas é como se os guardasse.
Minha alma não é como um pastor,
Mas como um cajado, que sente o chão
E segura o fraco corpo quando preciso.
Toda a paz da Natureza sem gente
Sussurra palavras incompreensíveis aos meus ouvidos
O meu corpo não é como um cajado,
Mas como um pastor que o rebanho assiste,
Sem alterar uma batida do coração.

Mas a minha tristeza é sossego,
Pois estou em minha inteira consciência.
Pobres daqueles que se deixam cegar
Pela inebriante luz do amor.

Para cada pingo de chuva que chora o céu,
Existem dez lágrimas presas de solidão.
Invade o meu ser um frenesi, e então,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva;
O corpo estremece ao frio
E a alma à culpa.

Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho
E mais próximo de mim.
É na poesia que tudo finda
E onde quero me findar
É na realidade colorida dos versos onde quero descansar os olhos.
É no verdadeiro entendimento sublime das palavras
Que estou disposto a me afogar.

Quando me sento a escrever versos
Não imagino o que escapará ao meu silêncio.
Escrevo meus versos num papel que está no meu pensamento,
Entôo cantilenas surdas em meu sorriso
E logo mais esqueço, me apago.
Me sinto um cajado em minhas próprias mãos
Quando minh'alma sucumbe à generosidade
Tão condenada por mim.
Não vejo nada além da linha do horizonte
E não escuto mais do que pensamentos altos e conversas banais.
Me permito sorrir vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.

Saúdo todos os que compartilham da minha loucura
E não enlouqueceram por fim.
Saúdo também os que não me compreendem e secretamente espero,
Que nunca venham a me compreender.

Saúdo-os e desejo-lhes sol
E chuva, quando a chuva é precisa
E desejo-lhes algo melhor do que ler os versos de um poeta sem lei
Mas se assim não quiserem,
Desejo apenas que ao lerem meus versos, pensem
Que eu sou qualquer coisa natural -
Por exemplo, a árvore antiga
Que abrigou diversas gerações
E mesmo assim, não tem nada pra contar.

terça-feira, 15 de setembro de 2009

misturando molhos e sensações,

não sabia no que ia dar

a minha macarronada de emoções.

sábado, 29 de agosto de 2009

O Mentiroso

- Quando começaram suas crises?

- Foi a exatamente três anos atrás, quando ela me deixou.

- Mas você disse a pouco que tinha deixado-a.

- Eu menti doutor. Esse é um grande defeito meu. Foi por isso que ela se foi.

- E ela foi pra onde?

- Pra perto de Deus.

- Ela morreu?

- Não. Foi morar perto de uma Igreja.

- Sei... E qual foi sua primeira reação?

- Nenhuma doutor. Eu achei que fosse mentira dela.

- Mas que eu saiba mentir é um grande defeito seu não dela.

- Eu menti doutor. Pessoa mais sincera que eu, não há. Ela sim era uma grande mentirosa, por isso mesmo me deixou.

- E suas crises começaram a exatamente três anos atrás...

- Não doutor, você está mentindo. Eu não tenho crise alguma. Aliás, nunca tive.

- É mesmo? E como está o seu casamento?

- Vai indo, sabe? Mas minha esposa anda reclamando dos meus comportamentos.

- E como você anda se comportando?

- Não sei doutor. Acho que ando tendo umas crises.

- Quando começaram suas crises?

- Foi a exatamente três anos atrás, quando ela me deixou.

- Mas afinal, quem deixou você?

- Ninguém me deixou. Eu menti doutor.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O casamento de Euclides

"Se alguém tem algo contra o matrimônio, fale agora ou cale-se para sempre."

Chovia. As portas da Igreja estavam fechadas e as trovoadas pareciam engolir a cidadela. Janeth, de branco, mas com vestido simples. Seus olhos pequenos matavam qualquer sentimento que tentasse transparecer; seu nariz empinado parecia ter nojo do mundo; sua boca é lacrada. Nem palavras, nem beijos.

Sua pequena família, muito discreta, ocupava os primeiros bancos. Seu pai estava de cabeça baixa e sua mãe tentava disfarçar certa agonia. Euclides estava úmido. Pegou chuva a caminho do casamento. Enxugou o rosto na Sacristia e pronto, tudo resolvido. Ninguém ocupava os bancos reservados à sua família. Nem amigos.

Era um noivo até que atraente (mesmo úmido). Negros cabelos com pequenas ondas e sorriso reluzente. Beleza da idade. Olhar promíscuo e ar displicente. Não inspirava muita confiança. Usava um terno de cor, mas um pouco curto. Emprestado, sem dúvidas.

Silêncio na Igreja. "Eu vos declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva."

Os noivos se entreolharam. Janeth jogou o buquê nas mãos de sua irmã e abriu um guarda-chuva. Euclides olhou a aliança e sorriu. Abriu também um guarda-chuva e saíram os dois, lado a lado, sem trocar uma palavra. A família, atônita seguiu-os.

Abriram-se as portas da Igreja. Não se via palmo à frente do nariz. O cinza do cimento no chão misturava-se com o cinza do céu que desabava em forma d'água. A cruz que situava-se no centro do pátio (grande e imponente, diga-se de passagem), parecia uma sombra frágil no alto. Rajadas de vento balançavam os sinos que tocavam desordenadamente. Não era lá uma música para os ouvidos. Ao menos, cortava o silêncio.

Euclides deixava a água molhar seus cabelos. Ele tinha a mania, desde garoto, de achar que era o maestro do tempo. Chuva para as conquistas; sol para as más ações; garoa para aquelas épocas de dúvida. Pela regra, 28 de março era um dia de conquista.
Janeth parecia entediada. Olhava para o infinito sem muitas esperanças e suspirou. Era o início de um grande amor.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Reflexões de um momento onde a vida não vale mais a pena

Posso dizer com certeza e provar com testemunhas, que tive uma vida impecável. Dinheiro nunca me faltou, mulheres idem. Fiz alguns filhos, onde poucos me consideram. Bebi do melhor uísque, experimentei diversas fumaças e a natureza não me negou a beleza.Nada disso me trouxe a sanidade almejada, ou a interpretação correta das minhas atitudes, nem mesmo o meu reconhecimento como artista. No meu túmulo poderia escrever-se assim:

"Jaz aqui um homem"

E só. Nem poeta, nem músico, nem bom pai ou marido. Aprendi um pouco tarde demais que os frutos não se comem todos de uma vez. Deve-se saboreá-los aos poucos. Quando acaba, acabou. Sinceramente, nunca desejei verdadeiramente todos os presentes da vida, mas me guiei por eles e me desviei dos meus ideais.

Hoje não velho, porém morto.

Meus ideais nem eu mesmo sei quais eram. Parecia com algo como não me misturar aos pensamentos da massa, ou dos políticos. Não sei se foi bem isso o que fiz, ou sei e não me deixo recordar; nem expor o fato.
Se um dia desejei não ter nada de conhecido além dos pensamentos, resgato esse momento, neste momento.

Não se pode justificar ou culpar algo ou alguém pelas intempéries do seu destino. A sua cabeça pensa por você, mas infelizmente, não pensas por ela. E em determinadas horas, sinto-me como algo inanimado que agiu mecanicamente e não se lembra que agiu. Essa é a verdade do mundo. Todos vivem em piloto automático. Eu não fui diferente.

Paro agora, quando nada me resta fazer, a olhar pros livros que colecionei durante a vida. E neles me afogo novamente, quando na condição de homem, nem em corpo me vejo mais.

Fica a pergunta que pessoas como eu, se fazem em um ponto da vida: "De que serviu tudo?" Não vou responder porque assim não desejo. Apenas aqui me despeço. Com algo que lembra uma carta e se assemelha a uma crônica. Talvez, depois disso, meu jazigo traga algo parecido com:

"Jaz aqui um homem que se arrependeu"

Mesmo eu não tendo me arrependido. Eu apenas lamentei.