Olhares vagos dizem mais que qualquer palavra de desprezo

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Dar não é fazer amor - parte I

Dar é dar.
Fazer amor é lindo, é sublime, é encantador, é esplêndido.
Mas dar é bom pra cacete.
Dar é aquela coisa que alguém te puxa os cabelos da nuca...
Te chama de nomes que eu não escreveria...
Não te vira com delicadeza...
Não sente vergonha de ritmos animais. Dar é bom.
Melhor do que dar, só dar por dar.
Dar sem querer casar....
Sem querer apresentar pra mãe...
Sem querer dar o primeiro abraço no Ano Novo.
Dar porque o cara te esquenta a coluna vertebral...
Te amolece o gingado...
Te molha o instinto.
Dar porque a vida é estressante e dar relaxa.
Dar porque se você não der para ele hoje, vai dar amanhã, ou depois de amanhã.
Tem pessoas que você vai acabar dando, não tem jeito.
Dar sem esperar ouvir promessas, sem esperar ouvir carinhos, sem
esperar ouvir futuro.
Dar é bom, na hora.
Durante um mês.
Para os mais desavisados, talvez anos.

Luís Fernando Veríssimo

terça-feira, 18 de maio de 2010

Quando se perde uma vida

Não esperei que fôssemos chegar àquele ponto. Sempre dizem que as mulheres tem uma sensibilidade apurada, uma espécie de sexto sentido. Mas isso, eu não pude sentir. Não que eu me sinta inútil, mas a gente sempre tem aquela sensação de: "eu poderia ter feito alguma coisa por ele", quando na verdade não poderia. Ninguém poderia.


Tentei seguir toda a orientação que me passaram. Distraia-o. Faça-o cair em si. Não faça movimentos bruscos. Ative as boas lembranças em sua memória. Lembre-o das coisas belas da vida. Chore se for necessário. Não precisei usar lágrimas como estratégia, seria inevitável controlá-las.

Fiz perguntas idiotas, apelei, implorei. Eu me ajoelhei.

As pessoas dizem que os traumas se curam, que as dores passam e os maus momentos viram só lembranças lá no fundo da memória. Acho que só a experiência pode me dar à certeza de que preciso.

Aquele foi um dos momentos mais bonitos de minha vida. Não tem nada a ver com aquela ladainha de renovação espiritual, ou acontecimento traumático que te leva até Jesus, foi somente o momento mais sincero que eu já presenciei. Eu pude ver o fundo de sua alma através dos olhos. Eles estavam mais escuros do que de costume, pareciam negros, de tão fundos. Pareciam um poço. Tentei enxergar um resto de vida lá dentro, mas foi inútil. Foi quando desisti. Apenas lhe fiz uma pergunta. A mais idiota de todas as perguntas e que se eu fosse ele, não responderia.

"Por que estás abrindo mão da vida?" - eu perguntei. E ele me perguntou o que eu achava que era vida.

Eu respondi, é claro, na luz do desespero, mas pensando melhor, talvez não tivesse precisado. Sua intenção não era realmente saber a minha opinião. Foi uma pergunta que serviu de resposta eficiente. Sempre admirei isso nele.

"Vida é estar vivo, pra amar, ser feliz etc" - foi o que eu disse. Idiotice, confesso, mas não surgiu nada melhor na hora. Foi aí que eu enxerguei o poço em seus olhos e percebi que para aquela alma não havia mais retorno. Seco. Era assim que ele estava por dentro. Então me calei e deixei-o fazer. Só acho que não deveria ter sido daquele jeito. Ele era tão bonito...

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Monólogo

Aqui é o reino do fracasso. Fracasso de tudo o que é belo aos olhos e agradável aos ouvidos. A dor aqui é silente, sussurrante no máximo. As flores são brancas e as nuvens, negras. O céu é perto e o mar é longe. Os passos são curtos, temerosos, enquanto o perigo é iminente e mortal; vive à espreita. Não existe afeto ou qualquer forma de carinho; o que se vive aqui é a mais pura das solidões, que por ser completa, embriaga. Embriaga até que mata. Mata vagarosa, de morte morrida sem sentir, sem dor no peito a aflingir. Mata silenciosa, sem grito pra ouvir nem lágrima pra chorar. Não existe sofrimento aqui, no reino do fracasso.