Olhares vagos dizem mais que qualquer palavra de desprezo

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

O casamento de Euclides

"Se alguém tem algo contra o matrimônio, fale agora ou cale-se para sempre."

Chovia. As portas da Igreja estavam fechadas e as trovoadas pareciam engolir a cidadela. Janeth, de branco, mas com vestido simples. Seus olhos pequenos matavam qualquer sentimento que tentasse transparecer; seu nariz empinado parecia ter nojo do mundo; sua boca é lacrada. Nem palavras, nem beijos.

Sua pequena família, muito discreta, ocupava os primeiros bancos. Seu pai estava de cabeça baixa e sua mãe tentava disfarçar certa agonia. Euclides estava úmido. Pegou chuva a caminho do casamento. Enxugou o rosto na Sacristia e pronto, tudo resolvido. Ninguém ocupava os bancos reservados à sua família. Nem amigos.

Era um noivo até que atraente (mesmo úmido). Negros cabelos com pequenas ondas e sorriso reluzente. Beleza da idade. Olhar promíscuo e ar displicente. Não inspirava muita confiança. Usava um terno de cor, mas um pouco curto. Emprestado, sem dúvidas.

Silêncio na Igreja. "Eu vos declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva."

Os noivos se entreolharam. Janeth jogou o buquê nas mãos de sua irmã e abriu um guarda-chuva. Euclides olhou a aliança e sorriu. Abriu também um guarda-chuva e saíram os dois, lado a lado, sem trocar uma palavra. A família, atônita seguiu-os.

Abriram-se as portas da Igreja. Não se via palmo à frente do nariz. O cinza do cimento no chão misturava-se com o cinza do céu que desabava em forma d'água. A cruz que situava-se no centro do pátio (grande e imponente, diga-se de passagem), parecia uma sombra frágil no alto. Rajadas de vento balançavam os sinos que tocavam desordenadamente. Não era lá uma música para os ouvidos. Ao menos, cortava o silêncio.

Euclides deixava a água molhar seus cabelos. Ele tinha a mania, desde garoto, de achar que era o maestro do tempo. Chuva para as conquistas; sol para as más ações; garoa para aquelas épocas de dúvida. Pela regra, 28 de março era um dia de conquista.
Janeth parecia entediada. Olhava para o infinito sem muitas esperanças e suspirou. Era o início de um grande amor.

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