Olhares vagos dizem mais que qualquer palavra de desprezo

quarta-feira, 27 de abril de 2011

A segunda carta

Às vezes eu me imagino conversando com pessoas que passaram pela minha vida. Na maioria das vezes, eu pareço muito bem, tanto emocionalmente quanto fisicamente. Me vejo falando de mim e dizendo o quanto eu mudei, o quanto me arrependo do passado e como eu queria que tivesse sido diferente.
Gosto de reconhecer os meus erros nessas conversas hipotéticas e ressaltar que eu voltei a ser quem eu era antes, um eu que esse alguém talvez tenha vindo a conhecer, mas que sumiu como um flash de luz, que causa supresa e nos deixa ligeiramente cegos.
Muitas vezes sinto vontade de revelar como foi árduo o caminho de volta, talvez seja pretensioso dizer que foi, mas com certeza é. Quando penso nisso, resolvo guardar somente pra mim. Eu não preciso mostrar a ninguém as pedras que recolhi no meu caminho e nem dizer quais eu deixei no mesmo lugar. O fato é que eu não preciso provar nada aos hipotéticos; uma vez aberta a ferida, torna-se inevitável a cicatriz. E a cicatriz é a prova de que nada volta a ser como era antes, apesar da marca indolor. Minhas conversas hipotéticas me mostram imagens irreais, mostram a minha vontade de me eximir da culpa e remover as cicatrizes que eu causei.
Depois de me ter reencontrado, e depois de ter rasgado o véu da ignorância, pude reaver meus sonhos e meus desejos mais ardentes; meu coração impassível voltou a palpitar vez ou outra e o frio na barriga voltou à minha prateleira de sensações. É como se minha alma tivesse vindo à tona, retornado à superfície. Pela primeira vez não tive vergonha de sentir. Na sensibilidade que eu chamava de fraqueza, enxerguei uma pureza que poucos são capazes de entender.
Revivi toda a minha infância e me vi igual, com as mesmas dúvidas acerca do Universo, mas com uma visão tão menos restrita e tão mais capaz de alcançar respostas que se tornaram inacessíveis com o passar dos anos. Quando me encontrei em dor física, lembrei do que minha mãe dizia desde a minha mais tenra infância: seu coração só tem amor e bondade. Confesso que a minha vontade é de desabar em lágrimas e chorar copiosamente. Quando escuto a sua voz em minhas lembranças e vejo seus olhos apreciando a minha inocência, percebo que tantas vezes apunhalei o coração da primeira pessoa que enxergou em mim o bem. E quando retorna em minha lembrança os seus olhares de decepção, me mortifico; eu só queria voltar a ser aquela menina.
Sempre tive facilidade de perdoar as pessoas. Não que eu queira todas bem, apenas não as quero qualquer mal em virtude do que meu causaram, mas a grande pedra em meu caminho e talvez a maior é: como me perdoar? No dia em que eu achar tal resposta, tenho certeza de que poderei seguir em frente. Talvez nunca torne real os meus diálogos hipotéticos e nem assim desejo. Talvez nunca volte a ser aquela menina, mas com certeza serei alguém novo, quem sabe, RENASCIDA.