Olhares vagos dizem mais que qualquer palavra de desprezo

terça-feira, 12 de julho de 2011

Quando a conheci

Minha mãe sempre me disse que eu queria ser escritor. Segundo ela, desde a tenra infância. Sempre gostei de criar personagens que divertiam toda a família durante as minhas encenações. Acabei por me acostumar a arrancar sorrisos e risadas, além de pedidos de bis. Sempre acreditei ter mais talento para as comédias espontâneas, para as palavras faladas e não para as escritas, para criar personalidades simples e caricatas que aparecem e vão embora. Até que um acontecimento completamente inesperado, depois de tantos anos pensando que realmente não havia lugar na minha vida para as palavras escritas, me inspirou a utilizá-las.
Já tem alguns meses que venho conhecendo essa mulher. Nunca pensei que pudesse conhecer um personagem de carne e osso. Às vezes me questiono se ela é mesmo real. Quanto mais a conheço, mais me admiro com a sua complexidade e não digo isso no bom sentido.
Nos conhecemos por um acaso na fila de um banco. A conversa começou como todas as outras de filas; sempre algum tipo de reclamação pelo tempo de espera e o nosso diálogo também continuou como todos os outros, achando coisas em comum. No caso em questão, eu carregava nos braços um livro que ela disse gostar muito. Até o presente momento não havia nada de muito relevante neste encontro, mas por algum motivo nos encontramos logo depois no Café. Aí sim posso dizer que foi relevante.
Me abstive de descrevê-la fisicamente porque sei que haverá momento mais oportuno. Eu estava sentado numa mesa ao fundo, como é de minha preferência, lendo e tomando um capuccino, quando ela entrou. Foi direto ao balcão e pediu um chocolate quente. Achei engraçado. Talvez nem devesse, mas estava prestando atenção no que ela fazia, o que me deixou vulnerável. De repente, ela olhou em minha direção e me cravou aqueles olhos enormes e profundos; fez isso por algumas frações de segundos, antes de me sorrir com um certo ar de dúvida. Porém, não pareceu ter dúvida alguma em se encaminhar e sentar na minha mesa. Não perguntou se podia ou se devia, simplesmente sentou. Não demorou muito até que começássemos novamente a conversar. Tive tempo de observar cada pedaço dela com calma. Posso dizer que a sua beleza é incomum, uma beleza difícil de entender, pois foi totalmente construída na imperfeição. Ela tinha um jeito contagiante de falar, de expôr suas ideias. Era muito viva nas suas argumentações e a forma como gesticulava, dava um ar de veracidade à tudo que saía de sua boca. Sempre com as pernas cruzadas e jogando o cabelo ondulado para o lado de forma compulsiva, aos poucos ela foi me penetrando. Mas existia algo sombrio por trás daqueles olhos. Algum mistério facilmente disfarçado pela sua expressividade e conversa envolvente.
Foi um momento daqueles em que as palavras pouco importam, não são mais do que som. Eu estava mais interessado em captar algo menos superficial, a sombra do que a sua expressão não queria mostrar e realmente me distraí.
- Você não está mesmo interessado, não é?
- No quê?
- No que eu estou dizendo.
E me cravou novamente aqueles olhos, só que com um car divertido dessa vez. Depois tirou-os de mim como se estivesse sem graça de estar ali, falando de si mesma para alguém que não parecia não se interessar. Mas eu me interessava sim, só não soube como dizer isso a ela, só dei um sorriso sem graça enquanto ela brincava com o guardanapo.
- Acho que vou indo... Foi um prazer.
E assim ela desapareceu pela porta. Continuei sentado no mesmo lugar, mas ainda pude vê-la acender um cigarro antes de dobrar a esquina.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

A segunda carta

Às vezes eu me imagino conversando com pessoas que passaram pela minha vida. Na maioria das vezes, eu pareço muito bem, tanto emocionalmente quanto fisicamente. Me vejo falando de mim e dizendo o quanto eu mudei, o quanto me arrependo do passado e como eu queria que tivesse sido diferente.
Gosto de reconhecer os meus erros nessas conversas hipotéticas e ressaltar que eu voltei a ser quem eu era antes, um eu que esse alguém talvez tenha vindo a conhecer, mas que sumiu como um flash de luz, que causa supresa e nos deixa ligeiramente cegos.
Muitas vezes sinto vontade de revelar como foi árduo o caminho de volta, talvez seja pretensioso dizer que foi, mas com certeza é. Quando penso nisso, resolvo guardar somente pra mim. Eu não preciso mostrar a ninguém as pedras que recolhi no meu caminho e nem dizer quais eu deixei no mesmo lugar. O fato é que eu não preciso provar nada aos hipotéticos; uma vez aberta a ferida, torna-se inevitável a cicatriz. E a cicatriz é a prova de que nada volta a ser como era antes, apesar da marca indolor. Minhas conversas hipotéticas me mostram imagens irreais, mostram a minha vontade de me eximir da culpa e remover as cicatrizes que eu causei.
Depois de me ter reencontrado, e depois de ter rasgado o véu da ignorância, pude reaver meus sonhos e meus desejos mais ardentes; meu coração impassível voltou a palpitar vez ou outra e o frio na barriga voltou à minha prateleira de sensações. É como se minha alma tivesse vindo à tona, retornado à superfície. Pela primeira vez não tive vergonha de sentir. Na sensibilidade que eu chamava de fraqueza, enxerguei uma pureza que poucos são capazes de entender.
Revivi toda a minha infância e me vi igual, com as mesmas dúvidas acerca do Universo, mas com uma visão tão menos restrita e tão mais capaz de alcançar respostas que se tornaram inacessíveis com o passar dos anos. Quando me encontrei em dor física, lembrei do que minha mãe dizia desde a minha mais tenra infância: seu coração só tem amor e bondade. Confesso que a minha vontade é de desabar em lágrimas e chorar copiosamente. Quando escuto a sua voz em minhas lembranças e vejo seus olhos apreciando a minha inocência, percebo que tantas vezes apunhalei o coração da primeira pessoa que enxergou em mim o bem. E quando retorna em minha lembrança os seus olhares de decepção, me mortifico; eu só queria voltar a ser aquela menina.
Sempre tive facilidade de perdoar as pessoas. Não que eu queira todas bem, apenas não as quero qualquer mal em virtude do que meu causaram, mas a grande pedra em meu caminho e talvez a maior é: como me perdoar? No dia em que eu achar tal resposta, tenho certeza de que poderei seguir em frente. Talvez nunca torne real os meus diálogos hipotéticos e nem assim desejo. Talvez nunca volte a ser aquela menina, mas com certeza serei alguém novo, quem sabe, RENASCIDA.

quinta-feira, 24 de março de 2011

A carta

Quando dizem que o tempo voa, eu imagino de forma completamente distinta. Para mim, o tempo galopa. Passa rápido, é verdade, mas sempre tocando o chão de tempos em tempos, talvez para nos fazer perceber o quão longe já fomos e dessa forma podermos nos orgulhar ou nos arrepender de tempos que já não voltam mais. Eu jamais escrevi uma carta antes, não uma carta real pelo menos, pelo fato de acreditar que palavras escritas podem se tornar eternos compromissos ou até mesmo provas contra si. Para mim, palavras escritas são verdadeiros contratos que não podem ser desditos ou contestados, muito menos apagados. Apesar de ser perigoso, chegou um momento em que eu decido assumir todos os riscos para te dizer algumas palavras incapazes de caber em um diálogo comum, até pelo fato de escondermos sempre o que se passa dentro de nós, talvez por medo de reprovação, orgulho ou vergonha. O tempo galopa tão rápido quanto se voasse, mas o seu tocar o chão é que nos proporciona momentos como esses, onde se põe pra fora o que se tem vontade dizer e que nos lembra de tantas coisas bonitas que poderíamos ter-nos dito, ou um elogio que poderíamos ter-nos feito e que não passaram de meras intenções. Nos lembra também de tantas confissões que necessitamos um dia fazer, ou lágrimas que precisávamos derramar para seguir em frente que não chegaram às nossas bocas ou aos nossos olhos. Resolvi que prefiro pecar pelo excesso e não pela omissão, pois nunca saberemos quantos galopes ainda teremos pela frente, talvez um dia seja tarde demais.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Confissões de Rosemary I

Não tem coisa mais prazerosa do que despedaçar o coração alheio, ou tornar-se o vício de alguém só para matá-lo pouco a pouco. Não existe melhor sensação do que ser amado mil vezes e nunca amar de volta, do que ver um olhar apaixonado e debochar dele. É incontestavelmente doce ser cruel. Queria que fossem para o inferno todos esses homens que se deixam envolver por mulheres como eu. Que pisam, humilham e destroem o seu orgulho. Homens deveriam ser fortes, ter pulso fime e ser o porto seguro. Não suporto homens fracos, românticos, que entregam a sua dignidade nas mãos de uma mulher. Não gosto de homens que choram, que se declaram, nem de homens que rastejam. Gosto dos homens que me fazem chorar, que me deixam dilacerada por dentro e que ao mesmo tempo fazem com que eu me sinta segura e amada, e mesmo que não seja a única em sua cama, pelo menos seja a única em seu coração.