Olhares vagos dizem mais que qualquer palavra de desprezo

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Lestat

“O vermelho neste copo parecerá mais vermelho, as rosas do papel de parede parecerão incrivelmente delicadas. E será assim que perceberá a lua ou o brilho de uma vela. E com a maior sensibilidade você verá a morte em toda sua beleza, a essência da vida só conhecida no momento da morte. Compreende isto, Louis? Somente você, dentre todas as criaturas, é capaz de ver a morte deste modo impunemente. Você... somente... sob a luz da lua... pode fulminar como a mão de Deus!”

Vampiro Lestat, descrevendo para Vampiro Louis, os prazeres de matar.
Entrevista com o Vampiro - Anne Rice.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

O pio dos pássaros

Ainda é escuro, mas já cantam os pássaros. Aqueles pios incomodam. Me pergunto se os pássaros não tem mais o que fazer. Evidentemente, o problema é comigo, pois nunca ouvi ninguém reclamar dos pios dos pássaros às 4:30 da manhã.
Senti o cansaço do ócio, por mais que pareça estranho e senti o peso da inutilidade. Lixo, me xinguei.
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Sempre planejei demais, meticulei demais e me preparei demais pra coisas que nunca vieram a acontecer. Imaginei loucuras, naveguei pelas vontades que foram se acumulando aqui, conformadas com o fato de nunca encontrarem a liberdade. Foram sedimentando, sedimentando, até virarem rocha.
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Enquanto o dia ia nascendo, eu chorava como um bebê. Derramava lágrimas gratuitamente, à espera de um conforto, à espera daquela voz que afasta o medo e diz que está tudo bem. Tudo o que pude ouvir foram os meus soluços e o pio dos pássaros às 5:00 da manhã.
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A rocha não era tão rocha assim. Pude senti-la se fragmentando rapidamente e me devolvendo o vazio habitual. Nesse momento, eu senti que tinha voltado de longas férias e que estava no comando novamente. Imaginei se isso não seria perceptível ao mundo ao meu redor.
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Enquanto me afogava nas lágrimas, eu bocejei. Sinal de que a qualquer momento, sem que eu percebesse, aquele choro ia dar lugar a um sono que me traria algumas horas de anestesia, até retornar ao mundo real. E depois?
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Acordei ao meio dia. Atendi o telefone. Ninguém percebeu.
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Acordei ao meio dia. Atendi o telefone. Caiu a ficha; eu estava de volta. Mas nada estava diferente de quando eu fechei os olhos. Salvo a única: não havia o pio dos pássaros.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Se eu pudesse ser alguém além de mim e Jim Morrison, seria Fernando Pessoa. Por isso, eu resolvi tentar fazer uma releitura do I poema do livro de Alberto Caeiro: O Guardador de Rebanhos.


Eu nunca guardei rebanhos
Mas é como se os guardasse.
Minha alma não é como um pastor,
Mas como um cajado, que sente o chão
E segura o fraco corpo quando preciso.
Toda a paz da Natureza sem gente
Sussurra palavras incompreensíveis aos meus ouvidos
O meu corpo não é como um cajado,
Mas como um pastor que o rebanho assiste,
Sem alterar uma batida do coração.

Mas a minha tristeza é sossego,
Pois estou em minha inteira consciência.
Pobres daqueles que se deixam cegar
Pela inebriante luz do amor.

Para cada pingo de chuva que chora o céu,
Existem dez lágrimas presas de solidão.
Invade o meu ser um frenesi, e então,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva;
O corpo estremece ao frio
E a alma à culpa.

Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho
E mais próximo de mim.
É na poesia que tudo finda
E onde quero me findar
É na realidade colorida dos versos onde quero descansar os olhos.
É no verdadeiro entendimento sublime das palavras
Que estou disposto a me afogar.

Quando me sento a escrever versos
Não imagino o que escapará ao meu silêncio.
Escrevo meus versos num papel que está no meu pensamento,
Entôo cantilenas surdas em meu sorriso
E logo mais esqueço, me apago.
Me sinto um cajado em minhas próprias mãos
Quando minh'alma sucumbe à generosidade
Tão condenada por mim.
Não vejo nada além da linha do horizonte
E não escuto mais do que pensamentos altos e conversas banais.
Me permito sorrir vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.

Saúdo todos os que compartilham da minha loucura
E não enlouqueceram por fim.
Saúdo também os que não me compreendem e secretamente espero,
Que nunca venham a me compreender.

Saúdo-os e desejo-lhes sol
E chuva, quando a chuva é precisa
E desejo-lhes algo melhor do que ler os versos de um poeta sem lei
Mas se assim não quiserem,
Desejo apenas que ao lerem meus versos, pensem
Que eu sou qualquer coisa natural -
Por exemplo, a árvore antiga
Que abrigou diversas gerações
E mesmo assim, não tem nada pra contar.